Tem umas coisas na vida que começamos a fazer apenas para superar os próprios limites e com isso obter satisfação pessoal. Eu coloquei na cabeça que vou correr uma maratona. Tive inspiração num dos meus mentores, Ricardo Gondim, que já correu várias maratonas e serviu-me de exemplo. É algo meio insano, correr 42 km e 195 metros é agressivo ao corpo, antinatural até. Mas é uma superação.
Quando comecei a correr, há uns dois anos e meio, quase morri ao completar dois quilômetros. Pensei que jamais correria a “9 de julho”, de 10 km. Insisti nos treinos e, no ano passado completei a corrida do aniversário de Boa Vista. Inscrito para uma maratona que vai acontecer em outubro deste ano, comecei um treino mais sério, auxiliado por um especialista. De quando em quando temos que fazer um longão, treinos de longa distância, no jargão dos maratonistas.
Dia desses, eu e o meu treinador colocamos como alvo a distância de 25 km. Seria a primeira vez que completaria tal percurso. Para tanto é necessário que haja hidratação, o corpo perde muito líquido através da transpiração e a reposição é imprescindível. Chamei dois amigos para acompanharem a corrida de bicicleta e levarem a água para mim e meu treinador. Foram o Felipe e o Kyldery, dois jovens que freqüentam a mesma igreja que eu. A gentileza deles fez toda a diferença, e não só pela água, como vou deixar mais claro logo adiante.
Há algum tempo descobri que nossas experiências com Deus, perceber Sua presença, ouvir Sua voz, não acontecem só nos ambientes religiosos. Aliás, as epifanias, essas percepções de Deus, acontecem mesmo no cotidiano, na vida real, fora dos momentos e rituais religiosos. Pois tive uma dessas epifanias naquele domingo de manhã, enquanto corria. Eu ouvi a voz de Deus.
Quando cheguei na altura do 21º km eu já estava além dos meus atuais limites. A respiração estava bem, mas minhas pernas doíam muito, estavam pesadas e as articulações latejavam. Para completar, peguei uma avenida em que o vento estava contrário. Parece ridículo dizer isso, mas a essa altura ter um vento contrário faz sim diferença, você tem que fazer um esforço adicional, quando o corpo já está cansado.
Lá estavam o Felipe e o Kyldery me esperando para entregar a garrafinha d’água. Meu treinador, mais rápido e mais resistente, já tinha saído do meu campo de visão. Como não estava com sede, pedi que os meninos me encontrassem na próxima rotatória. Foi quando o Felipe perguntou como eu estava. Gritei que o corpo doía todo e que o vento ainda estava atrapalhando. Ele respondeu: “É assim mesmo, afinal são 25 km, eu estarei lá na frente te esperando”, depois pegou a bicicleta e foi embora.
Corri os próximos dois quilômetros chorando. Pude perceber que Deus diz exatamente a mesma coisa a nós. Algo como: “a vida é assim mesmo, você tem e terá dores, o vento pode atrapalhar, mas isso faz parte da vida. Só não esqueça que eu estarei por aqui, estarei logo ali na frente te esperando”. A certeza que nos move não é a de que Ele vai nos livrar das dores, mas que estará ao nosso lado. É isso que nos renova as forças para prosseguirmos na maratona da vida.
A voz do Felipe, naquela manhã, foi para mim como a voz de Deus
Márcio Rosa da Silva
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